Número do dia

Nas salas de aula do primeiro ciclo do ensino básico é muito comum observar-se, no início do dia, algumas rotinas que podem sustentar a aprendizagem de conteúdos disciplinares: o registo e contagem das presenças e faltas, a observação e registo do estado do tempo e o registo do plano de atividades do dia. Em alguns contextos e por um certo período também é comum pedir aos alunos que escrevam o seu nome, ou as letras do alfabeto, números, nomeadamente a sequência numérica,… nestes casos, próprios das primeiras aprendizagens nos primeiros anos, está em causa a memorização de noções elementares. Estas rotinas são atividades de curta duração e a aprendizagem em causa não se esgota num dia. Podemos dizer que se trata de ações estratégicas do docente que não exigem intensidade na atividade de ensino e aprendizagem.

Número do Dia” é a designação de uma atividade de aprendizagem intrinsecamente ligada à escrita da data (medida do tempo) e, nesse sentido, pode ser uma rotina diária inicial. Contudo, pretende-se que seja uma atividade com algum nível de exigência do ponto de vista cognitivo, visando a promoção do raciocínio e comunicação matemática, ainda que se mantenha a curta duração inerente a uma rotina, e seja pensada como uma ação estratégica para uma aprendizagem que se vai consolidando ao longo do tempo. 

Um exemplo pode ser a organização de objetos em disposições retangulares. O docente estabelece que, todos os dias, a partir do dia 10, disponibilizará às crianças pequenos quadrados iguais para que os organizem formando retângulos diferentes. Trata-se de uma tarefa  adequada a crianças do pré-escolar em alguns casos, ou do primeiro ano. 

Assim, no dia 10, o desafio é descobrir quantos retângulos diferentes se consegue construir com 10 quadrados iguais e registar esses retângulos. O mesmo desafio é colocado nos dias seguintes. Em cada dia é elaborado um cartaz com os retângulos encontrados. A atividade irá, por si mesma, despoletar questões. É quase certo que o docente não precisará de as formular e não é forçoso que o faça logo no primeiro dia. Uma primeira questão será decidir se um retângulo, por exemplo, de duas filas de cinco quadrados 'horizontalmente' dispostas, será igual ou diferente daquele com as duas filas dispostas na vertical. A sobreposição irá esclarecer a dúvida. 

Com o número 16 levanta-se outra questão: considerar o quadrado como retângulo. É muito provável, com crianças mais novas, em virtude do estádio de desenvolvimento cognitivo em que se encontram, que o quadrado seja deixado de fora por não ser considerado um retângulo (1). Se isto acontecer, se a questão não for levantada, não há mal que venha ao mundo, não é preciso entrar em discussões para as quais as crianças não estão preparadas. Se a questão for levantada pelas crianças (algumas poderão ter ouvido dizer que o quadrado é um retângulo), não é forçoso decidir se é ou não é por meio do argumento da autoridade (de adulto ou criança). Este é um caso em que se torna claro a razão para não querer esgotar num instante tudo o que há para aprender em torno de um assunto. O "Número do Dia", oferecerá outra oportunidade para retomar o assunto.

Ao fim de alguns dias de registo dos retângulos que é possível construir com um dado número de quadrados, outras questões ou observações poderão surgir: há números que só têm um retângulo, há números que não têm retângulos de duas filas de quadrados,... Estas observações permitem constituir conjuntos numéricos através da atividade de classificação. Através desta atividade as crianças apercebem-se de propriedades dos números. Se no início é adequado ficar pela descrição das propriedades de uma forma elementar, mais tarde esta atividade irá servir para sustentar, através das representações, conceitos como "números pares", "múltiplos de...", etc. 

A planificação de uma rotina "Número do dia", por apostar numa aprendizagem a longo prazo, obriga a uma planificação diferente da que se faz usualmente para atividades de maior fôlego. Neste exemplo acima apresentado, descobrir os retângulos diferentes, para crianças mais novas, não é adequado começar com números que apenas permitem a construção de um retângulo, ou, com números como o 9, que, para além do retângulo de 1 por 9, apenas admite outro, 3 por 3: terreno propício para uma discussão talvez precoce.

O enquadramento do "Número do dia" na medida do tempo, especificamente no dia do mês, é sobretudo contextual e muito adequada aos anos iniciais de escolaridade, mas não obriga a um ciclo de 31 dias, máximo mensal, há outras unidades de medida de tempo e, se quisermos, outros pontos de partida da contagem. 

última edição a 2 de janeiro de 2024

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Notas:

(1) As crianças começam por aprender o nome das figuras observando protótipos, isto é, figuras que evidenciam as principais propriedades da classe a que pertencem. As primeiras figuras são sempre o círculo, o triângulo, o quadrado e o retângulo. Só é possível compreender que um quadrado é um retângulo quando a palavra retângulo passar a ser entendida como a designação da classe de quadriláteros com os quatro ângulos retos.

2 comentários:

  1. Considero esta atividade de aprendizagem excelente e muito rica. Vou sugerir que possa ser estendida a uma numeração anual dos dias. Teremos assim o 100º dia, por exemplo, e isso poderá trazer novos desafios. Estes desafios poderão ser bem interessantes para professores que promovem esta atividade ao longo de mais do que um ano e, consequentemente para os alunos que vivenciam ao longo de um ciclo de ensino, por exemplo.

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